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Democracia solidária e representativa

Duas formas de expressão popular
Etimologicamente o termo é proveniente do grego demokratía, de demos ’povo’ + kratía ’força, poder’, significando, portanto, governo do povo ou governo em que o povo exerce a sua soberania. Ora, revela a história às inúmeras tentativas de se implantar a Democracia; contudo, delas muito poucas foram as que vingaram.

Convencidos, os homens, de que sendo livres por natureza, somente seria legítimo o governo de que todos participassem. Em toda parte houve quem procurasse realizar esse ideal. Assim, partindo de uma nobre concepção, buscaram garantir a todos os homens, mesmo os quais, pobres, mesmo os menos instruídos, a participação na tomada das decisões relativas ao interesse geral.

A Democracia seria, então, o governo de todos, por todos e para todos. Mas, considerando a narrativa histórica, emerge um paradoxo, a saber: como num mundo vocalmente democrático, poucas (foram) são as democracias? Cabe dizer então que é preciso pôr de lado o sonho ingênuo de que instituições juridicamente perfeitas, de que Constituições racional e superiormente democráticas são suficientes para exigir uma Democracia.

Essa concepção interpretativa está baseada na leitura de pensadores que contribuíram com suas idéias democráticas, políticas, filosóficas e até mesmo jurídicas, cita-se, por exemplo, Tocqueville, Robert Dahl, Weber, Maquiavel e outros, que nas mais diversas contribuições aludem para a participação do povo no poder, ou absolutamente os exclui.

A partir da leitura aguçada acerca da Democracia, pode-se aferir que esta é um ideal que coloca a participação popular como pressuposto de validade. Mas se entendermos que a participação revela o nível de Democracia, precisamos compreender o que compõe a participação. Aqui parece ser válida e precisa a teoria da Poliarquia de Robert Dahl.[1] Onde a Democracia é um ideal buscado e a Poliarquia[2] é a efetiva participação democrática.

A Poliarquia é concreta e não abstrata, como sugere a Democracia. A participação, na concepção de Dahl, torna o processo democrático realizável, vez que o reconhecimento do outro como partícipe, membro, coadjuvante nesse projeto de participação do poder, torna efetivo o projeto de participação.

As partes, o povo e dono do poder, digo neste caso os governantes estabelecem uma relação de poder. Essa relação é maquiada pela política da retribuição. Veja, não estamos fazendo apologia a demagógica democratização. Estamos a demonstrar que o processo democrático exige a participação e esta, por sua vez, o reconhecimento.

O reconhecimento é fruto da tolerância, esta entendida como o prévio acesso a participação democrática. Tolerar é aceitar todas as facetas do outro. Note-se que estamos partindo do particular para o universal. O outro é o todo na medida em que participa, na medida em que é tolerado e, conseqüentemente, reconhecido.

A instauração de uma Democracia, de um governo voltado para o interesse comum reclama que se abram portas e janelas para que a participação venha a corroborar o poder e aperfeiçoar as instituições a partir da efetiva participação, vista a partir do reconhecimento e da tolerância[3]. Aqui ao invés de uma participação democrática, poderíamos chamar de uma participação solidária.

Na concepção tradicional, que já aparece em Heródoto, a Democracia é o governo exercido pela maioria, o povo. Para a ciência não há o governo de um só, nem da maioria. Todo governo é sempre exercido por uma minoria, conforme detecta Raymond Aron.[4] O principio democrático desenvolve o poder da minoria governante. Decorre deste principio o elemento quantitativo do processo democrático, aquilo que já fora aludido, isto é, a participação, vista pelo viés da tolerância e do reconhecimento. Contudo falta o elemento qualitativo, a capacitação. A união de todos estes elementos se poderia chamar de Democracia Solidária.

A característica chave da Democracia é a contínua correspondência do governo com as preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais. Filosoficamente a Democracia gira em torno de dois princípios ou de valores básicos, a liberdade e a igualdade[5]. Deste é que deflui o principio democrático. Em outras palavras, o processo democrático depende da liberdade, capacitação, tolerância e reconhecimento de um para com outro e de todos para com todos. A participação política, ou qualquer outra, não deve ficar á mercê da minoria, mas ser universalizada. De todos para todos. [6]

Como diria Weber[7], o político depende de sua política. Parafraseando-o, ‘os participantes dependem de sua participação. Os opositores de sua oposição”. É preciso compreender que a participação democrática não é estar à disposição do poder, do governo. Vez que é da destreza do governante que mantém o poder, que emerge da proclamação do povo assistido em suas necessidades pelo governante, o pão e o circo.[8]

A participação é reivindicar, é cobrar direitos e manifestar o poder intrínseco á condição de povo, democraticamente participativo. Não se olvidar dos direitos e deveres da cidadania, da Democracia e da participação. Como posto por Tocqueville[9], a Democracia tende, geralmente, a promover o progresso social do maior número possível; como emanam da maioria dos cidadãos, estes estarão sujeitos a erro, mas não podem ter interesses opostos a suas próprias vantagens.

Não se pode partir da política do privilégio em detrimento dos direitos e deveres em geral, pois como afirma Paul Ricoeur, pensar o outro como co-habitante nessa grande Democracia que tem se tornado o mundo contemporâneo é pensar na efetiva contribuição de cada um para a construção efetiva de um Estado Democrático.[10]

Pensar acerca das questões atinentes à Democracia e a problemática que a cerca é estar preocupado com o futuro, com o progresso, com o outro, e fundamentalmente consigo mesmo. Essa preocupação com o próximo significa, em primeiro lugar, reconhecê-lo como outro, como homem, como igual. Como dotado de razão e sentimentos, com direitos e deveres. Significa ver o outro como outro eu. Daí decorre as virtudes necessárias à vida democrática, a Democracia Solidária, participativa, efetiva. O reconhecimento de que, sendo todos os homens racionais, a razão de cada um pode trazer uma contribuição para a obra comum, o que importa em ouvir, compreender e ponderar.

Ademais, o reconhecimento de que todos têm o direito de saber por que se fazem certas coisas, como o de discordar do que se faz. Tolerância, transigência, respeito à oposição, diálogo, participação, todas essas virtudes defluem do respeito ao outro. Esse respeito ao outro tem o seu ponto mais alto no reconhecimento da eminente dignidade da pessoa humana. Este reconhecimento é a peça básica do espírito democrático.

Desconhecer estes princípios, estas virtudes é ferir a Democracia. O que subjaz o espírito democrático é o bem comum, e somente mentalidades democráticas poderão guiar a atividade política para o bem comum. Enfim, pensamos a Democracia a partir de uma estrutura ideal e realizável. Pensamos a Democracia pelo intento da construção solidária da participação, ou da Democracia Solidária, compreendida a partir de uma concepção de tolerância e reconhecimento. Evidentemente o nó hermenêutico consiste em compreender as nuanças da participação e da construção democrática, de modo que o governo seja exercido equitativamente e solidariamente, com a contribuição de todos. Ideal ou não, possível ou não, cabe uma nova leitura.

A maioria das democracias é baseada no conceito de democracia representativa. Os cidadãos votam nas eleições e elegem aqueles que os representam no governo. A principal função das eleições é legitimar a autoridade pública e ao mandato dos eleitos.

No Brasil, os cidadãos estão diretamente representados no Congresso Nacional, que se divide em duas casas representativas, isto é, o Senado e a Câmara dos Deputados. Evidentemente isso em âmbito federal, ocorrendo a mesma estrutura nos Estados Federativos e nos Municípios.

É bem verdade que a Democracia representativa não atende aos cidadãos de modo homogêneo; há um sentimento de descontentamento sobre esse sistema democrático, que é explicado por uma combinação de vários fenômenos.

Primeiro, a difícil tarefa da adaptação à globalização, e em segundo lugar, pelo desmantelamento do Estado social que supera a Democracia representativa e, terceiro, pelo fato de que o público acredita menos na capacidade dos governos para resolver os seus problemas, em quarto lugar, pela tendência crescente de se ter um consumismo político pela sociedade e em decorrência acontecer um declínio dos partidos políticos (que já vem ocorrendo), cinco, pelo fato de que com as eleições, por um lado, os cidadãos estão envolvidos na tomada de decisão uma vez a cada quatro anos e, por outro, entre as eleições, eles têm pouca oportunidade de influenciar as decisões políticas e, finalmente, a Democracia representativa não permite a ninguém influenciar decisões.

Além destas exigências de maior legitimidade e as limitações da Democracia representativa, as relações entre o Estado Brasileiro e seus cidadãos são marcadas por uma grave crise de confiança: seus processos e até mesmo o propósito do Brasil estão em disputa.

Os cidadãos continuam a criticar a ineficiência e seu déficit democrático. Esta grande crise de confiança pode prejudicar não só as estruturas políticas, mas também as estruturas fundantes e os princípios fundamentais do modelo de sociedade. Especialmente os valores com base na qual o modelo social, como a Democracia, reconciliação, solidariedade, justiça, paz, unidade e liberdade.

É por isso que nos últimos anos, as chamadas audiências públicas, com a participação da sociedade tem tornado mais próxima os cidadãos do “poder”, e tornando a Democracia mais solidária, participativa, mais legítima. Essa iniciativa faz brotar uma nova perspectiva para Democracia participativa

Essa iniciativa, sem dúvida alguma, é fundamental porque permite aos cidadãos influenciar o desenvolvimento paulatino e constante do país em todos os seus elementos constitutivos. Este é um primeiro passo para uma solução, para a participação política e solução do déficit democrático da República Federativa do Brasil. Este déficit democrático pode ser preenchido apenas por instituições ou processos políticos realmente comprometidos com interesse público, com o bem comum.

É por isso que o princípio da Democracia solidária (ou participativa) foi uma conquista do povo brasileiro. A participação de cidadãos engajados e suas organizações são necessárias para que o país seja um verdadeiro espaço de liberdade, Democracia, justiça e segurança. O princípio da Democracia solidária reconhece o importante papel da sociedade civil na integração dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas acima de tudo, a integração destes com a sociedade que os mantém.

Como disse Jean Monnet: “Nada é criado sem os homens, nada dura sem as instituições.” Em vez de Democracia direta em que todos os cidadãos adultos participam na tomada de decisões num contexto de igualdade e de deliberação plena, onde o Estado e a sociedade são um, a Democracia solidária (participativa requer que os cidadãos e as organizações da sociedade civil tenham meios para influenciar as atividades do governo).[11]

Cidadãos organizados podem, portanto, estar diretamente envolvidos no processo de tomada de decisões que os afetam. Ao contrário de eleições que ocorrem apenas de tempos em tempos, a sociedade civil tem um controle permanente apoiando ou não os líderes que escolheu.[12]

Essas novas formas de participação se aplicam a diferentes estágios de tomada de decisão. O primeiro passo é participar na formação da agenda política por meio de consultas públicas, por exemplo; a segunda etapa, os cidadãos participarão da decisão em si (embora as decisões finais sejam tomadas por instituições representativas) e; finalmente, o último passo é participar da implementação e avaliação do impacto das políticas públicas em todos os setores da sociedade.[13]

Embora a Democracia solidária (participativa) não facilite a tomada de decisões ou não a torne mais rápida, e enquanto o poder de decisão permanece nas mãos das autoridades eleitas, melhora de governança? Tem o mesmo impacto da Democracia solidária?

A Democracia solidária melhora o fluxo de informações políticas e procedimentos; mais que qualquer outra coisa, ela permite que aqueles que são mais afetados pelas políticas públicas possam participar; e, de certa forma até mesmo de influenciá-las.

Os processos participativos são dominantes porque são parte integrante do próprio significado da Democracia. A Democracia deve ser envolvida por uma celebração pública. Requer cidadania ativa porque é através da discussão que o interesse popular na política e envolvimento podem e devem ser definidos como socialmente realizáveis.

Não há boa política sem atenção, participação e consentimento do indivíduo. O objetivo final da Democracia solidária é levar as instituições a todos os cidadãos. No entanto, o objetivo não é substituir a Democracia representativa, mas sim combinar positivamente a Democracia representativa com a Democracia solidária.

Uma sem a outra não pode atingir seus objetivos. Esta forma de Democracia acrescenta experiência, diálogo, negociação e busca de convergência de interesses no processo de decisão. Ela reforça a qualidade e credibilidade das políticas públicas, melhorando a sua compreensão, sua legitimidade e transparência para os cidadãos. Assim, através da expressão dos interesses dos atores sociais e econômicos de organizações da sociedade civil que a Democracia solidária melhora a Democracia representativa.

O diálogo entre os cidadãos e os funcionários eleitos é essencial para a implementação da Democracia solidária. No entanto, os sistemas democráticos só funcionam corretamente quando totalmente organizados, não só em termos de representação pública, mas também em termos de diálogo através do qual as organizações da sociedade civil, negociam com as instituições públicas.

Enfim, a Democracia solidária vem em muitas formas, que variam no diálogo institucional do orçamento participativo, assembléias locais, comissões extra-municipais, consultas públicas. Democracia solidária requer um diálogo entre as organizações da sociedade civil. Na verdade, é através deste diálogo que a sociedade civil vai chegar a um consenso sobre a integração das instituições consigo, com os seus procedimentos e seu desenvolvimento. A Democracia solidária dá poder à sociedade civil, mas não um poder legislativo, as decisões políticas são uma prerrogativa dos representantes eleitos da população. O diálogo social reúne os parceiros sociais: os sindicatos, empregadores e grupos da indústria. O povo!



[1] DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição - 1ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005

[2] DAHL, R. A. A Preface to Democratic theory. Chicago. 1956

[3] FINLEY, M. I. La Democrazia degli antichi e dei moderni. trad. italiana. Laterza. Bari. 1973

[4] ARON, Raymond, Democracia e Totalitarismo, Lisboa, Presença, 1966, passim

[5] HERMES, F. A. La democrazia rappresentativa. Vallenchi, Firenze. 1968

[6] FINLEY, M. I. La Democrazia degli antichi e dei moderni. trad. italiana. Laterza. Bari. 1973

[7] WEBER, Max. A Política como vocação. In.Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara,1982.

[8] Cf. MAQUIAVEL. N. O PRINCIPE. São Paulo. Cultrix.

[9] TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1998

[10] BUENO. D. A. Hermenêutica constitucional e a interpretação holística dos direitos culturais. UNIMEP. Mostra Acadêmica. 2009.

[11] Monnet. J. In: Biland Emilie. La “démocratie participative” en “banlieue rouge”. Les sociabilités politiques à l’épreuve d’un nouveau mode d’action, politix, n°75

[12] BACHRACH, Peter, Critica da Teoria Elilista da Democracia, Madrid, Alianza, 1973

[13] BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do Jogo. Presença, 1986

Etimologicamente o termo é proveniente do grego demokratía, de demos ’povo’ + kratía ’força, poder’, significando, portanto, governo do povo ou governo em que o povo exerce a sua soberania. Ora, revela a história às inúmeras tentativas de se implantar a Democracia; contudo, delas muito poucas foram as que vingaram.

Convencidos, os homens, de que sendo livres por natureza, somente seria legítimo o governo de que todos participassem. Em toda parte houve quem procurasse realizar esse ideal. Assim, partindo de uma nobre concepção, buscaram garantir a todos os homens, mesmo os quais, pobres, mesmo os menos instruídos, a participação na tomada das decisões relativas ao interesse geral.

A Democracia seria, então, o governo de todos, por todos e para todos. Mas, considerando a narrativa histórica, emerge um paradoxo, a saber: como num mundo vocalmente democrático, poucas (foram) são as democracias? Cabe dizer então que é preciso pôr de lado o sonho ingênuo de que instituições juridicamente perfeitas, de que Constituições racional e superiormente democráticas são suficientes para exigir uma Democracia.

Essa concepção interpretativa está baseada na leitura de pensadores que contribuíram com suas idéias democráticas, políticas, filosóficas e até mesmo jurídicas, cita-se, por exemplo, Tocqueville, Robert Dahl, Weber, Maquiavel e outros, que nas mais diversas contribuições aludem para a participação do povo no poder, ou absolutamente os exclui.

A partir da leitura aguçada acerca da Democracia, pode-se aferir que esta é um ideal que coloca a participação popular como pressuposto de validade. Mas se entendermos que a participação revela o nível de Democracia, precisamos compreender o que compõe a participação. Aqui parece ser válida e precisa a teoria da Poliarquia de Robert Dahl.[1] Onde a Democracia é um ideal buscado e a Poliarquia[2] é a efetiva participação democrática.

A Poliarquia é concreta e não abstrata, como sugere a Democracia. A participação, na concepção de Dahl, torna o processo democrático realizável, vez que o reconhecimento do outro como partícipe, membro, coadjuvante nesse projeto de participação do poder, torna efetivo o projeto de participação.

As partes, o povo e dono do poder, digo neste caso os governantes estabelecem uma relação de poder. Essa relação é maquiada pela política da retribuição. Veja, não estamos fazendo apologia a demagógica democratização. Estamos a demonstrar que o processo democrático exige a participação e esta, por sua vez, o reconhecimento.

O reconhecimento é fruto da tolerância, esta entendida como o prévio acesso a participação democrática. Tolerar é aceitar todas as facetas do outro. Note-se que estamos partindo do particular para o universal. O outro é o todo na medida em que participa, na medida em que é tolerado e, conseqüentemente, reconhecido.

A instauração de uma Democracia, de um governo voltado para o interesse comum reclama que se abram portas e janelas para que a participação venha a corroborar o poder e aperfeiçoar as instituições a partir da efetiva participação, vista a partir do reconhecimento e da tolerância[3]. Aqui ao invés de uma participação democrática, poderíamos chamar de uma participação solidária.

Na concepção tradicional, que já aparece em Heródoto, a Democracia é o governo exercido pela maioria, o povo. Para a ciência não há o governo de um só, nem da maioria. Todo governo é sempre exercido por uma minoria, conforme detecta Raymond Aron.[4] O principio democrático desenvolve o poder da minoria governante. Decorre deste principio o elemento quantitativo do processo democrático, aquilo que já fora aludido, isto é, a participação, vista pelo viés da tolerância e do reconhecimento. Contudo falta o elemento qualitativo, a capacitação. A união de todos estes elementos se poderia chamar de Democracia Solidária.

A característica chave da Democracia é a contínua correspondência do governo com as preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais. Filosoficamente a Democracia gira em torno de dois princípios ou de valores básicos, a liberdade e a igualdade[5]. Deste é que deflui o principio democrático. Em outras palavras, o processo democrático depende da liberdade, capacitação, tolerância e reconhecimento de um para com outro e de todos para com todos. A participação política, ou qualquer outra, não deve ficar á mercê da minoria, mas ser universalizada. De todos para todos. [6]

Como diria Weber[7], o político depende de sua política. Parafraseando-o, ‘os participantes dependem de sua participação. Os opositores de sua oposição”. É preciso compreender que a participação democrática não é estar à disposição do poder, do governo. Vez que é da destreza do governante que mantém o poder, que emerge da proclamação do povo assistido em suas necessidades pelo governante, o pão e o circo.[8]

A participação é reivindicar, é cobrar direitos e manifestar o poder intrínseco á condição de povo, democraticamente participativo. Não se olvidar dos direitos e deveres da cidadania, da Democracia e da participação. Como posto por Tocqueville[9], a Democracia tende, geralmente, a promover o progresso social do maior número possível; como emanam da maioria dos cidadãos, estes estarão sujeitos a erro, mas não podem ter interesses opostos a suas próprias vantagens.

Não se pode partir da política do privilégio em detrimento dos direitos e deveres em geral, pois como afirma Paul Ricoeur, pensar o outro como co-habitante nessa grande Democracia que tem se tornado o mundo contemporâneo é pensar na efetiva contribuição de cada um para a construção efetiva de um Estado Democrático.[10]

Pensar acerca das questões atinentes à Democracia e a problemática que a cerca é estar preocupado com o futuro, com o progresso, com o outro, e fundamentalmente consigo mesmo. Essa preocupação com o próximo significa, em primeiro lugar, reconhecê-lo como outro, como homem, como igual. Como dotado de razão e sentimentos, com direitos e deveres. Significa ver o outro como outro eu. Daí decorre as virtudes necessárias à vida democrática, a Democracia Solidária, participativa, efetiva. O reconhecimento de que, sendo todos os homens racionais, a razão de cada um pode trazer uma contribuição para a obra comum, o que importa em ouvir, compreender e ponderar.

Ademais, o reconhecimento de que todos têm o direito de saber por que se fazem certas coisas, como o de discordar do que se faz. Tolerância, transigência, respeito à oposição, diálogo, participação, todas essas virtudes defluem do respeito ao outro. Esse respeito ao outro tem o seu ponto mais alto no reconhecimento da eminente dignidade da pessoa humana. Este reconhecimento é a peça básica do espírito democrático.

Desconhecer estes princípios, estas virtudes é ferir a Democracia. O que subjaz o espírito democrático é o bem comum, e somente mentalidades democráticas poderão guiar a atividade política para o bem comum. Enfim, pensamos a Democracia a partir de uma estrutura ideal e realizável. Pensamos a Democracia pelo intento da construção solidária da participação, ou da Democracia Solidária, compreendida a partir de uma concepção de tolerância e reconhecimento. Evidentemente o nó hermenêutico consiste em compreender as nuanças da participação e da construção democrática, de modo que o governo seja exercido equitativamente e solidariamente, com a contribuição de todos. Ideal ou não, possível ou não, cabe uma nova leitura.

A maioria das democracias é baseada no conceito de democracia representativa. Os cidadãos votam nas eleições e elegem aqueles que os representam no governo. A principal função das eleições é legitimar a autoridade pública e ao mandato dos eleitos.

No Brasil, os cidadãos estão diretamente representados no Congresso Nacional, que se divide em duas casas representativas, isto é, o Senado e a Câmara dos Deputados. Evidentemente isso em âmbito federal, ocorrendo a mesma estrutura nos Estados Federativos e nos Municípios.

É bem verdade que a Democracia representativa não atende aos cidadãos de modo homogêneo; há um sentimento de descontentamento sobre esse sistema democrático, que é explicado por uma combinação de vários fenômenos.

Primeiro, a difícil tarefa da adaptação à globalização, e em segundo lugar, pelo desmantelamento do Estado social que supera a Democracia representativa e, terceiro, pelo fato de que o público acredita menos na capacidade dos governos para resolver os seus problemas, em quarto lugar, pela tendência crescente de se ter um consumismo político pela sociedade e em decorrência acontecer um declínio dos partidos políticos (que já vem ocorrendo), cinco, pelo fato de que com as eleições, por um lado, os cidadãos estão envolvidos na tomada de decisão uma vez a cada quatro anos e, por outro, entre as eleições, eles têm pouca oportunidade de influenciar as decisões políticas e, finalmente, a Democracia representativa não permite a ninguém influenciar decisões.

Além destas exigências de maior legitimidade e as limitações da Democracia representativa, as relações entre o Estado Brasileiro e seus cidadãos são marcadas por uma grave crise de confiança: seus processos e até mesmo o propósito do Brasil estão em disputa.

Os cidadãos continuam a criticar a ineficiência e seu déficit democrático. Esta grande crise de confiança pode prejudicar não só as estruturas políticas, mas também as estruturas fundantes e os princípios fundamentais do modelo de sociedade. Especialmente os valores com base na qual o modelo social, como a Democracia, reconciliação, solidariedade, justiça, paz, unidade e liberdade.

É por isso que nos últimos anos, as chamadas audiências públicas, com a participação da sociedade tem tornado mais próxima os cidadãos do “poder”, e tornando a Democracia mais solidária, participativa, mais legítima. Essa iniciativa faz brotar uma nova perspectiva para Democracia participativa

Essa iniciativa, sem dúvida alguma, é fundamental porque permite aos cidadãos influenciar o desenvolvimento paulatino e constante do país em todos os seus elementos constitutivos. Este é um primeiro passo para uma solução, para a participação política e solução do déficit democrático da República Federativa do Brasil. Este déficit democrático pode ser preenchido apenas por instituições ou processos políticos realmente comprometidos com interesse público, com o bem comum.

É por isso que o princípio da Democracia solidária (ou participativa) foi uma conquista do povo brasileiro. A participação de cidadãos engajados e suas organizações são necessárias para que o país seja um verdadeiro espaço de liberdade, Democracia, justiça e segurança. O princípio da Democracia solidária reconhece o importante papel da sociedade civil na integração dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas acima de tudo, a integração destes com a sociedade que os mantém.

Como disse Jean Monnet: “Nada é criado sem os homens, nada dura sem as instituições.” Em vez de Democracia direta em que todos os cidadãos adultos participam na tomada de decisões num contexto de igualdade e de deliberação plena, onde o Estado e a sociedade são um, a Democracia solidária (participativa requer que os cidadãos e as organizações da sociedade civil tenham meios para influenciar as atividades do governo).[11]

Cidadãos organizados podem, portanto, estar diretamente envolvidos no processo de tomada de decisões que os afetam. Ao contrário de eleições que ocorrem apenas de tempos em tempos, a sociedade civil tem um controle permanente apoiando ou não os líderes que escolheu.[12]

Essas novas formas de participação se aplicam a diferentes estágios de tomada de decisão. O primeiro passo é participar na formação da agenda política por meio de consultas públicas, por exemplo; a segunda etapa, os cidadãos participarão da decisão em si (embora as decisões finais sejam tomadas por instituições representativas) e; finalmente, o último passo é participar da implementação e avaliação do impacto das políticas públicas em todos os setores da sociedade.[13]

Embora a Democracia solidária (participativa) não facilite a tomada de decisões ou não a torne mais rápida, e enquanto o poder de decisão permanece nas mãos das autoridades eleitas, melhora de governança? Tem o mesmo impacto da Democracia solidária?

A Democracia solidária melhora o fluxo de informações políticas e procedimentos; mais que qualquer outra coisa, ela permite que aqueles que são mais afetados pelas políticas públicas possam participar; e, de certa forma até mesmo de influenciá-las.

Os processos participativos são dominantes porque são parte integrante do próprio significado da Democracia. A Democracia deve ser envolvida por uma celebração pública. Requer cidadania ativa porque é através da discussão que o interesse popular na política e envolvimento podem e devem ser definidos como socialmente realizáveis.

Não há boa política sem atenção, participação e consentimento do indivíduo. O objetivo final da Democracia solidária é levar as instituições a todos os cidadãos. No entanto, o objetivo não é substituir a Democracia representativa, mas sim combinar positivamente a Democracia representativa com a Democracia solidária.

Uma sem a outra não pode atingir seus objetivos. Esta forma de Democracia acrescenta experiência, diálogo, negociação e busca de convergência de interesses no processo de decisão. Ela reforça a qualidade e credibilidade das políticas públicas, melhorando a sua compreensão, sua legitimidade e transparência para os cidadãos. Assim, através da expressão dos interesses dos atores sociais e econômicos de organizações da sociedade civil que a Democracia solidária melhora a Democracia representativa.

O diálogo entre os cidadãos e os funcionários eleitos é essencial para a implementação da Democracia solidária. No entanto, os sistemas democráticos só funcionam corretamente quando totalmente organizados, não só em termos de representação pública, mas também em termos de diálogo através do qual as organizações da sociedade civil, negociam com as instituições públicas.

Enfim, a Democracia solidária vem em muitas formas, que variam no diálogo institucional do orçamento participativo, assembléias locais, comissões extra-municipais, consultas públicas. Democracia solidária requer um diálogo entre as organizações da sociedade civil. Na verdade, é através deste diálogo que a sociedade civil vai chegar a um consenso sobre a integração das instituições consigo, com os seus procedimentos e seu desenvolvimento. A Democracia solidária dá poder à sociedade civil, mas não um poder legislativo, as decisões políticas são uma prerrogativa dos representantes eleitos da população. O diálogo social reúne os parceiros sociais: os sindicatos, empregadores e grupos da indústria. O povo!



[1] DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição - 1ª ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005

[2] DAHL, R. A. A Preface to Democratic theory. Chicago. 1956

[3] FINLEY, M. I. La Democrazia degli antichi e dei moderni. trad. italiana. Laterza. Bari. 1973

[4] ARON, Raymond, Democracia e Totalitarismo, Lisboa, Presença, 1966, passim

[5] HERMES, F. A. La democrazia rappresentativa. Vallenchi, Firenze. 1968

[6] FINLEY, M. I. La Democrazia degli antichi e dei moderni. trad. italiana. Laterza. Bari. 1973

[7] WEBER, Max. A Política como vocação. In.Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara,1982.

[8] Cf. MAQUIAVEL. N. O PRINCIPE. São Paulo. Cultrix.

[9] TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1998

[10] BUENO. D. A. Hermenêutica constitucional e a interpretação holística dos direitos culturais. UNIMEP. Mostra Acadêmica. 2009.

[11] Monnet. J. In: Biland Emilie. La “démocratie participative” en “banlieue rouge”. Les sociabilités politiques à l’épreuve d’un nouveau mode d’action, politix, n°75

[12] BACHRACH, Peter, Critica da Teoria Elilista da Democracia, Madrid, Alianza, 1973

[13] BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do Jogo. Presença, 1986